Uma breve reflexão sobre o Dia da Pátria.
Jose
Renato de Castro Cesar
Administrador. Escritor. Indigenista do
Museu do Índio.
Integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.
Cadeira No 50. Patrono Intendente Câmara.
Refletir significa refratar imagens. No
sentido filosófico, dado por Henrique Cláudio de Lima Vaz, refletir sobre um
tema ou conceito significa refratar as ideologias por trás dos discursos que
tratam desse tema ou conceito.
Assim sendo, para refletirmos sobre o “dia
da pátria”, necessário se torna alicerçarmos um “pensar, sentir e agir”
sobre o tema, para que possamos compreender a ideia de pátria; os
sentimentos que tal ideia evoca no coração dos cidadãos; e os discursos que
sobre a pátria tem feito certos homens e mulheres ao longo da História.
Refletir sobre o “Dia da Pátria”, além de
ser um exercício antropológico e histórico, sobre o resgate que uma sociedade
faz das imagens do seu lugar de origem (patriota) em seu contexto
cultural e social; é, também, um exercício mental para se pensar com critério
sobre os valores ligados “às emoções coletivas e aos elementos gentílicos da
nascença e da imaginação que fazem da pátria a nação” (sic) e que, num
determinado momento histórico será necessário evidenciar.
Os sentimentos sagrados evocados pelo
Exmo. Dr. Aluízio Alberto da Cruz Quintão, Presidente do Instituto Histórico e
Geográfico de Minas Gerais, desembargador e renomado jurista mineiro, no último
dia 07 de Setembro, quando nos convoca a tal reflexão, precisam ser
encouraçados em armadura de aço e ouro, e diamantes.
Neste momento tão oportuno, me permito
colocar certas questões que dizem respeito àquilo que Marsílio de Pádua
(1275-1342) estudou na Universidade de Paris, onde se formou em “Artes
Liberais”, escrevendo a sua obra-prima “Defensor Pacis”.
Marsílio leva-nos a refletir e perquirir
sobre a retórica e a dialética de certos discursos (históricos e atuais) que
tanto emulam “a política”, mas que ao fim de tudo, apenas manipulam conceitos sobre
“estado”, “soberania popular”, “princípios de representação popular”,
“empreendedorismo”, “autonomia”, “autodeterminação”, “protagonismo” e tudo mais
que motiva os homens a serem livres e senhores do hoje e do amanhã.
Tais conceitos, quando desvirtuados,
tornam-se ferramentas de dissolução social e ameaçam o sentido de pertencimento
à pátria – enquanto lugar, território, aldeia onde se nasceu e se pertence.
É o desvirtuamento da retórica e da
dialética, por certas mentes malignas, que leva os cidadãos a desprezarem os
poderes civis, políticos e religiosos da sua pátria, da sua cultura, da sua
gens. Fala-se muito e pelas ventanas, como se a retórica e a dialética
estivessem já dissociadas das ações e dos comportamentos pessoais e sociais.
É o comportamento moral do indivíduo que
diz tudo sobre ele e não apenas aquilo que ele fala. Aquele que se julga sábio
e santo e acusa os outros não será, jamais, justificado.
Marsílio de Pádua ardeu vivo na fogueira
da Inquisição, por denunciar a corrupção e a degeneração moral dos poderosos de
sua época e por defender a “reforma do poder” diante daqueles que se diziam
santos e que falavam bonito, cheios de pompa e circunstância. Mas, que no fundo
de seus corações guardavam as manchas do pecado e da hipocrisia, das mentiras e
da vilania.
Tratei, em crônica recente, desta questão,
apontando os problemas do Humanismo Cívico e o quanto o tema é atual e
pertinente para as questões mais críticas dos problemas de governo, no Brasil e
no mundo.
A crise do humanismo não é uma
prerrogativa brasileira. A crise moral e ética resfolega pelos quatro cantos do
mundo, desde tempos imemoriais. E não são poucos os filósofos, teólogos e
historiadores que trataram do tema.
Marsílio de Pádua, foi um dos que, com seu
moderno conceito de lei, revolucionou a jurística, procurando fazer valer um
conceito de justiça coerente com a fé:
“Importat
hoc nomen lex et famose magis scientiam seu doctrinam sive iudicium universale
istorum et conferentium civilium et suorum oppositorum. Et sic accepta lex
dupliciter considerari potest: uno modo secundum se, ut peripsam solum
ostenditur, quid iustum aut iniustum conferens aut nocivum, et in quantum
huiusmodi iuris scientia vel doctrina lex dicitur; alio modo considerari
potest, secondum quod de ipsius observatione datur praeceptum coactivum per
poenam aut praemium in praesenti saeculo distribuenda, sive secundum quod per
modum talis praecepti traditur, et hoc modo considerata proprissime lex vocatur
et est...”
Mas a reflexão que gostaria de propor aqui,
se refere, de fato, à degeneração da retórica e da dialética, que, nos
discursos dos políticos profissionais e dos dirigentes da economia mundial, tem
como consequência a deturpação do conceito de justiça e de nação, influenciando
e deturpando, para os incautos neófitos, o conceito e o sentido de “pátria”;
fazendo com que a terra paterna (patriota) não seja mais tão importante
quanto as imagens (mercadológicas) daquilo que se deve ter e possuir
para ser alguém.
Assim, os substantivos nominais que designam
os países (e que deveriam refletir o patriotismo das gentes) do “Brasil”,
“Paraguai”, “Uruguai” (apenas para citar alguns lugares de pertencimento) estão
colocados num plano inferior ao dos substantivos nominais que designam as
empresas e suas marcas, tais como “Coca-Cola”, “Nike”, “Mercedes Benz” etc. que
precisamos consumir para sermos respeitados.
No entanto, a Petrobrás não é mais
brasileira. A Vale do Rio Doce não é mais brasileira. O Brasil
não é mais brasileiro. Internacionalizam a nossa pátria intencionalmente, como
num jogo de falsa memória. Vilipendiando nossa história e nossos mitos, através
da mudança planejada dos arquétipos históricos que marcaram as épocas da nossa
História.
Nós brasileiros, na ânsia de defender
nossos arquétipos e mitos históricos, somos cada dia mais bairristas e
facciosos. Somos levados a defender com sangue os nossos guetos culturológicos
na nossa ânsia de resistirmos a tão avassaladora corrente cultural materialista
que tanto o marxismo quanto o capitalismo nos impõem.
“Você é aquilo que você come ou consome”,
costuma-se dizer por ai, numa alusão simplória à avidez mercadológica de um
mundo plano, pós-moderno e banal. E, dessa forma, a imagem do “ser
brasileiro” diante da imagem do “ser americano”, representa um aspecto
negativo para os brasileiros, do ponto de vista social, político e cultural. O
que não dizer do ponto de vista econômico e financeiro. Afinal, somos
devedores!
“Ser americano” (louro, alto, rico,
forte e falando Inglês) é ser mais importante, mais protegido, mais digno e com
possibilidade de mais sucesso e felicidade nesta sociedade de consumo, onde a
riqueza financeira e a força bruta (violência) valem mais que a riqueza moral e
espiritual (cristã) de pessoas que desejam a paz e que lutam no dia-a-dia do
seu trabalho para sustentarem a si e a seus familiares.
Esta deturpação da moral e da ética social
foi denunciada por Marsílio de Pádua, por Bartolo de Saxoferrato, por Petrarca
e outros poetas, cientistas e teólogos que fizeram chegar até nós certas ideias
e ideais de liberdade, que deram um novo sentido ao conceito de história e de
política, de lei e de direito.
Para que, em nossos dias toda corrupção da
verdade, e todos os ataques políticos contra a ética social e a moral cristã
fossem denunciados por mentes brilhantes como fizeram e fazem: Norberto Bobbio,
Henrique Cláudio de Lima Vaz, Joseph Ratzinger, Edgar Godoy da Matta Machado,
Milton Campos, Paulo Pinheiro Chagas, Pedro Aleixo e tantos outros.
Assim é que Aluízio Alberto da Cruz
Quintão, tal como um Alarico pós-moderno, faz soar sua trombeta, conclamando
seus guerreiros, bárbaros literatos, a lutarem pela liberdade, pela
independência, pelo amor à pátria, mas não apenas com a retórica e a dialética,
senão com a reflexão e o comportamento ilibado, reflexo do seu exemplo.
Assim é que, ao mirar o exemplo do Exmo.
Dr. Aluízio Quintão, nosso digno presidente na Casa de João Pinheiro, podemos
perceber a data de 07 de Setembro, com um outro olhar, evitando,
peremptoriamente, o disparate de certos homens e mulheres públicos cujos
comportamentos e discursos tanto maculam o presente e o passado heroico da
Nação Brasileira, quanto à sua independência.
Lembremo-nos do grito: Independência ou
morte! E não da caganeira que tanto nos fizeram rir, quando éramos
crianças. Afinal, os deboches são naturais na cultura do nosso povo. Mas,
precisamos refletir melhor. O que fazemos com nossa História?
Relembremos os muitos historiadores,
jornalistas, poetas e eruditos brasileiros que tanto refletiram sobre a nossa
liberdade e independência enquanto povo e Pátria. Gente do quilate de Sérgio
Buarque de Holanda, Antônio Cândido, Boris Fausto, Juracy Magalhães, Domingos
Meirelles, Barbosa Lima Sobrinho, Arno Wehling, Francisco José de Oliveira
Vianna, Tristão de Athayde, Didimo Paiva, só para citar alguns.
No entanto, ao refletirmos sobre o Dia da
Pátria, necessário se faz refletir sobre o que os juristas denominam de “imparcialidade
fundante”; um conceito assaz controverso, e que diz respeito aos aspectos
do funcionamento da Justiça no Brasil.
Na sua atuação em prol da Justiça, o
Ministério Público Federal é imparcial ao acompanhar ações penais? Deve ser
mesmo imparcial, ou é possível que o seja? E, o que esse conceito de imparcialidade
fundante tem a ver com o Dia da Pátria?
Ora, quanto a esta questão da
imparcialidade, é preciso relembrar Domique Maingueneau, linguista e professor
da Sorbonne, que em sua teoria literária e em suas análises dos discursos, nos
afirma sobre a “inseparabilidade entre o texto e o quadro social de sua
produção e circulação”. O texto escrito está, portanto, condicionado a uma
situação social e, por isso, nem os juristas e tampouco os jornalistas estão ou
são isentos de tendências ideológicas.
Assim afirmava Henrique Cláudio de Lima
Vaz e assim ensinou-nos a refratar as ideologias por trás dos discursos. Assim
é que quando se grita – independência ou morte, há 193 anos atrás, há
que se refletir sobre o contexto histórico e sobre a problemática referente ao
sujeito da ação (D. Pedro I do Brasil, o mesmo D Pedro IV de Portugal) e, mais
ainda, sobre aquilo que se convencionou denominar de “contrato de
comunicação”, que são: 1) as leis do discurso; 2) as relações de lugar
entre os interlocutores; e 3) os múltiplos gêneros de discurso.
Só assim, através destas análises, será
possível compreender as razões pelas quais as facções imperam ao longo de nossa
história caçando a imprensa e criando censuras. Quanto a este aspecto, é um
fato que no período imperial vigoraram as liberdades e no período republicano
vigorou sempre a desfaçatez, o medo e a censura violenta. Sendo assim, ainda é
preciso repetir a todo tempo: independência ou morte!
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