quinta-feira, 10 de novembro de 2016

OS SINOS DA MATRIZ - Francisco Sá

PARTE I
O DIA EM QUE FOI DECLARADA A GUERRA 
 SANTANA DO ALFIÉ x DIONÍSIO

São fatos ocorridos por volta dos anos de 1959...60  e pouco mais...
O causo relatado aconteceu na época em que o padre dionisiano havia feito algumas pesquisas e avaliações técnicas que definiram pela demolição de nossa antiga matriz. Mais uma reforma não valeria a pena; era a hora de construir uma nova matriz. E assim se fez. Derrubaram a antiga matriz, e, no local foi iniciada a construção da nossa atual Igreja, muito mais moderna e principalmente resistente ao tempo, porque a anterior estava infestada por cupins em suas estruturas de madeiras.

Era um período de tempo em que o distrito de Santana do Alfié, não contava com um padre fixo  para as missas dominicais, casamentos, batizados, etc. O bispo de Mariana, havia determinado que o padre de Dionísio, José Índio do Brasil ficasse incumbido de cumprir estas missões. E assim, mensalmente a missa e os demais sacramentos eram ofertados à todos os valentes fieis habitantes de Santana do Alfié pelo pároco de Dionísio.


Para superar as dificuldades das estradas de chão daquele tempo, o nosso Padre contava com um Jeep Willys, pertencente à Paroquia de Dionísio, e nele eram feitas as viagens ao Alfié. O nosso Padre que também era muito sociável sempre levava algumas pessoas para lhe fazer companhia e animar a viagem, sendo que o Sr. Alvim Victorino e o Sr. José Irra eram dos mais frequentes pois conheciam praticamente todos os habitantes de Santana do Alfié. José Irra, que tinha a alcunha de Mané Gato era filho daquela terra (Alfié) e Alvim Victorino era casado com uma filha do Alfié que se tornou uma pessoa destacadíssima em Dionísio, a Professora Carlota de Vasconcelos, a nossa querida D. Lotinha.

Francisco Sá

Como eu estudava em Mariana e sabia ajudar na celebração da missa, de vez em quando era convidado pelo Pe. José Índio para ir também.

Em uma destas santas viagens, lá estava eu, juntamente com o Mané Gato, o Sr. Alvim e lógico, o protagonista principal, o Padre José Índio, para cumprir com a programação de uma missa e também alguns batizados no glorioso Distrito de Santana do Alfié.

Cumpridos os compromissos oficiais chegava a hora dos congraçamentos, que eram certamente as melhores atividades das inesquecíveis viagens a aquele tão querido distrito pratiano. E vamos às comemorações (ou bebemorações?)
Alvim Victorino Dias

Pe José Índio do Brasil
Como de costume, o Padre e a comitiva eram convidados para as ceias dos batizados e ou casamentos e foi durante uma destas comemorações, que o Mané Gato, muito alegre e brincalhão, já meio sem controle pelo resultado das muitas “branquinhas” deliciosamente degustadas, comentou com os meus parentes (da família Sá), que os Dionisianos estavam construindo uma nova igreja, e que o Nonô de Sá (que também foi nascido no Alfié), estava já arrumando um caminhão para buscar o antiquíssimo sino da Igreja Matriz do Alfié para a nova Igreja Matriz de Dionísio.

Aqui é bom destacar que o sino da Igreja Matriz do Alfié foi fabricado em 1724 e naturalmente é uma relíquia de grande valor histórico para todas pessoas vinculadas a aquela terra.

José Irra
Zé Irra se apresentava entusiasmadíssimo com a hipótese de levar tão preciosa peça para ser colocada na nossa nova Igreja, justificando com os argumentos que os nossos sinos eram pequenos e um deles estava com uma pequena trinca!

Certamente que as “branquinhas” fizeram com o nosso Zé Irra esquecesse o valor daqueles sinos para o povo do Alfié, em especial para os fiéis que nasceram ao som daqueles sinos, que também soaram nos funerais de seus ancestrais e de seus amigos, sinos que testemunham e participam da vida de todos habitantes do Alfié a mais de duzentos anos. Os sinos que marcavam as horas das missas, que informavam aos moradores as horas do dia. Nem de brincadeira esta blasfêmia deveria ser pronunciada.

Mas, ali, em meio a tantos motivos de comemorações, salgados, bebidas e etc., ninguém ligou muito para o assunto, e sempre apoiado pelo sr. Alvim e também pelo Padre, a conversa correu alegremente na maior cordialidade, sem maiores consequências.

Empanturrados e satisfeitos, tomamos o caminho de volta com incessante saculejo do Jeep do padre.

Sempre chegávamos muito tarde da noite nestes domingos especiais que vivíamos estes eventos religiosos e festivos em Santana do Alfié. Voltávamos todos muito satisfeitos com as rezas e em especial as confraternizações farturosas e fraternais.

Mais uma missão cumprida e nada mais justo que uma boa dormida dando um tempo para normalizar o teor alcoólico.

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Passados alguns dias, chega a notícia lá em casa: o pessoal do Alfié, convocados pelos Sr. Santos e incluindo meus parentes, estavam em pé de guerra, com todos os Dionisianos, e era bom ninguém ir a Alfié, especialmente o meu pai Nonô de Sá. Alguns haviam levado as brincadeiras do Zé Irra a sério...

Nonô de Sá
Os valentes fieis do Alfié mandaram informar que os sinos centenários jamais sairiam de lá, por nenhum motivo, por dinheiro algum, e ái daquele que se atrever ir retirar os sinos de lá. Que para eles era questão de honra, de vida ou morte, e etc., etc., etc.

O recado era claro e ameaçador: “Coitado daquele que aparecesse por lá... “

O único Dionisiano que ainda poderia ir ao Alfié era o padre para celebrar as missas, batizados e casamentos, mas, que ele fosse sozinho. Estava declarada a guerra aos Dionisianos!


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Meu pai adorou a brincadeira e sempre que tinha um portador mandava o recado para o pessoal do Alfié: “Assim que arrumar uma condução vou buscar os sinos da Matriz para Dionísio”.

Foram necessários meses para que a brincadeira fosse entendida como tal, para que o estado de beligerância fosse desarticulado e a paz voltasse a reinar entre os bons amigos e parentes do Alfié e do Dionísio.

É óbvio que algumas coisas foram complementares ao causo, uns enfeites e exageros, porque com o tempo isto virou piada, mas que houve mesmo certa PENDENGA entre ALFIE X DIONISIO naquela época, houve sim.  Os mais velhos sabem que houve...

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PARTE II - A COMPRA DOS SINOS DA IGREJA MATRIZ DE DIONÍSIO

Em Dionísio, havia um enfermeiro de nome Pimpão, que trabalhava nas matas do Mumbaça, combatendo a febre malária. Ele era funcionário da Belgo Mineira e também era da família Sá. Era uma espécie de “pombo correio”, pois Ia sempre visitar os parentes dele lá no Alfié, e trazia as novas notícias sobre as polêmicas geradas pela ideia, digamos, da transferência do sino para Dionísio.

Em uma destas viagens, que fazia a cavalo e até mesmo a pé, ele foi porta voz da Vovó Olinta, mãe de meu pai, que estava injuriada com a notícia do "roubo do sino" e prometia fazer e acontecer com meu pai se ele fosse lá em Alfié para buscar o famoso sino.

Com medo de uma “praga de mãe”, meu pai tratou logo de ir visita-la e acalma-la e neste contexto é que ele prometeu para sua mãe que iria adquirir um novo sino para a nossa matriz e encerrar este assunto de levar o sino do Alfié para Dionísio. E assim foi feita a promessa de meu pai para minha Vó Olinta!

Meu pai era muito festeiro, muito conhecido por todos em Dionísio, pois sempre estava frente das festas de São Sebastião (dentre outras) e usando esta experiência de festeiro, convoca a comunidade dionisiana para fazer doações para a compra dos novos sinos.

O assunto da vez na Paróquia do Pe. Zé Índio eram os novos sinos para a nova matriz. Conversa vai, conversa vem, e decidiu-se que as medidas dos nossos sinos deveriam ser, iguais ou maiores que os sinos do Alfié. Deveríamos ter sinos melhores que os deles! Era um desafio!

Nonô de Sá, para cumprir a promessa feita para a Vó Olinta, fez uma viagem a São Paulo para realizar a compra dos sinos, e se depara com um grande problema: o preço era muito acima do que foi previsto e arrecadado. Como voltar a Dionísio sem ter comprado o sino? Como encarar a Mamãe Olinta? Quanta decepção e problemas se voltar sem os sinos comprados...

Pensou, pensou e em virtude da promessa feita à minha Vó, decidiu que, pagaria a grande diferença que faltava para completar o valor dos sinos. Só assim o negócio ficaria fechado, pois o pessoal da fundição não abria mão de receber o valor adiantado.

Feito o pagamento, prometeram também entregar rapidamente os novos sinos para Dionísio.
Com pouco tempo, chegou o telegrama, avisando que o sino estava pronto.

Geraldo Coura
 Meu pai, então solicitou do Sr. Geraldo Coura, um caminhão para buscar o tão almejado sino e assim partiram para São Paulo: Geraldo Coura, Nonô de Sá, Zé Marques de Oliveira, mais o motorista. Naturalmente que alguém ia revezando na carroceira, pois, naquele tempo não era proibido.


Geraldo Coura foi um respeitável empresário, no transporte de madeira, da mata do Mumbaça até João Monlevade e também foi vereador da cidade.

Foi uma festa, a chegada do sino! Foguetes esperavam a caravana e os dionisianos curiosos queriam ver de pertos os novos sinos da Matriz que cumpririam a partir de então tão importantes papeis nas comunidades do interioranas como de Dionísio.




Mas, em meio a tanta empolgação, a preocupação maior de meu pai, era mandar avisar imediatamente ao pessoal do Alfié, que os nossos sinos chegaram, que eram muito melhores que os deles. O som era muito melhor!

Inicialmente os sinos ficaram instalados provisoriamente em uma grande trave de madeira,  pois não havia como subir com eles até a torre. Neste lugar eles ficaram por muito tempo, até que um dia meu pai então solicitou de seu genro Dicão a utilização de equipamentos da Belgo Mineira para colocar os sinos na torre da Igreja. Dicão prontificou-se, e com um grande tifor da C.S.B.M., finalmente colocou os sinos lá no alto, onde se encontram até hoje.


DESTAQUE.
É importante destacar que na ocasião da fundição dos sinos, o Padre José Índio para homenagear o Sr. Nonô de Sá, que muito havia contribuído para a aquisição dos sinos, solicitou que fossem gravados os nomes de Norberto de Sá e José Marques de Oliveira, designados como padrinhos dos novos sinos.

Nonô de Sá
José Marques
 

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PARTE III – CONFERINDO A PENDENGA

O caso não pode terminar ,sem vc. colocar o que vivenciei ,lá no ALFIE. Vamos lá...
Fui verificar  in loco  os sinos causadores da PENDENGA.

Achei tudo fechado...a vila toda dormindo... Eram 9 horas...Que decepção!
Eis que aparece uma alma  viva, com uma conversa muito fria, sem nenhum interesse!

Falei que era da família Sá e que estava a procura de algum parente, no que fui respondido: Iiiiiiiiiiii Aquele pessoal não existe mais....Sumiu todo mundo.
Tá bom , respondi.

Insisti em fotografar a Igreja por fora, pois o cadeado estava trancado...
Neste interim ,apareceu uma pessoa, e perguntei como poderia ver a igreja por dentro.
Ele me indicou com o dedo , onde morava a zeladora da igreja.

Fui até a casa da zeladora, onde fui atendido e expliquei o motivo de minha visita ao Alfié.
Ela se dispôs a ir até a igreja comigo e chamou o Irmão.

Eu lhe disse que meus pais eram do Alfié.. e citei o nome de minha vovó Olinta.
Mas o Sr. não é filho do Nonô de Sá, é?
Sim, respondi, sou filho de Nonô de Sá.
Pois então nós somos primos, disse ele. 
Aí, me senti em casa... Senti que a minha missão seria cumprida.

Perguntei se eles sabiam da pendenga dos sinos.
Claro que sabemos, responderam.
Eu mesmo fiquei de sobreaviso naquela época, vigiando os sinos.
Então ele me contou o seguinte:
Ha mais ou menos 3 anos chegou um congado de barão de cocais para abrilhantar a nossa festa. O chefe da delegação foi visitar a igreja e foi levado para ver o sino.
Sabe o que ele disse? Seus sinos são falsificados pois os legítimos estão em Dionísio.
No que ele respondeu: Coitado.. Ninguém nunca teve coragem de vir aqui buscar estes sinos! E se viesse, não levaria mesmo!

Os zeladores da igreja são irmãos e se chamam Maria Isabel, atualmente com 75 anos e Jose Geraldo com 80 anos. Constatamos então que, o pessoal de Barão de Cocais sabia da história do sequestro do sino.


Assim que cheguei de frente dos sinos.. Eu disse para o de Geraldo:
O nosso sino e mais bonito. Acho melhor a gente trocar, vocês ficarão em vantagem...
Não vai dar não.. Respondeu ele sorrindo.


  




 

E assim chegamos à conclusão que os famosos sinos do Alfié estarão lá para sempre!

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ABUNDA PITA


Em uma das viagens ao Alfié gravei em minha memória, que por enquanto é muito boa, o seguinte diálogo entre o SR. Alvim e o Padre José Índio. 

O silêncio reinava enquanto o Jeep nos conduzia com os solavancos sempre, quando de repente o Padre que estava no volante, olhando para o Morro, disse: É impressionante como tem pés de pita aqui na região! 

Imediatamente foi aparteado pelo Sr. Alvim: é.... aqui abunda pita...

Foi uma risada geral... imaginem as alturas das risadas, onde estavam Zé Irra, Padre Zé Índio e  Sr. Alvim... Só está figura que vos relata o fato é que não entendeu nada na hora.

Somente depois é que me dei por entendido.


PS:  A pita era muito usada pelos barbeiros de Dionísio para afiar as navalhas. Recordando em especial o Mudo e o Zé Condessa que cortaram tantos cabelos dos dionisianos.

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4 comentários:

  1. Gostei da história do sino.
    Meu pai, Claudino, nascido em Alfié não nos revelou essa história, talvez tivesse receio de perder o precioso sino.

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  2. Olá conterrâneo. Gostei do seu blog. Já compartilhei algumas de suas fotos em meu blog.
    "Quem não conhece a sua História, está sujeito a repeti-la!"
    Vamos conhecer a nossa!
    Sou lá de Laranjeira e da Serra. Neto de Piruca!

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    1. Por favor, me passe o link de seu blog. Quero conhecê-lo. Abraços.

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  3. Adorei conhecer essa história..

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